Quarta Parede

Blog de reflexão sobre teatro e dramaturgia.

João Paulo Seara Cardoso sobre o teatro no Porto

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PÚBLICO – Como vê a actual situação cultural da cidade do Porto?
JOÃO PAULO SEARA CARDOSO – O Porto, neste momento, tem uma capacidade como nunca teve em nenhuma altura da sua história, ao nível dos equipamentos e da participação do público. Passámos do deserto cultural dos anos 80 para um período fabuloso de desenvolvimento nos anos 90. Caberia às pessoas responsáveis, aos governantes da cidade como aos dirigentes das instituições fazer com que o capital ganho com o Porto 2001 não se perdesse.
E isso está a acontecer?
É evidente que não está a acontecer pela parte do governo da cidade, que pretende branquear o passado e esse capital cultural. Basta dizer – e isto toca-me bastante a mim, e acho que a todos os portuenses – que a câmara tentou branquear aquela que é a distinção, do ponto de vista simbólico mais importante, conquistada nessa época, ao não assinalar a passagem do 10.º aniversário da classificação do Porto como Património Mundial.

O presidente Rui Rio assumiu, desde o início, que a Cultura não era uma prioridade política. Mais recentemente decidiu mesmo cortar os subsídios a esta área. Como avalia esta política?
O apogeu cultural em que o Porto se encontrava em 2001 não merecia que o presidente da câmara eleito desse este tratamento à cultura. Que não assumisse que a cultura é actualmente, talvez, o principal traço identitário da cidade. Que, contrariando as suas tão apregoadas ideias de coesão social, hostilizasse grupos sociais importantíssimos como a classe artística, os jornalistas, as pessoas ligadas ao futebol e todos aqueles que não pensam como ele. E que exerça o poder de uma forma autocrática e paranóica, não permitindo, por exemplo, que os portugueses conheçam a voz e o pensamento dos seus vereadores. Eu, como homem de cultura da cidade, tenho o direito de querer saber o que pensa o vereador da Cultura da estratégia de desenvolvimento cultural da cidade, e, como se sabe, nunca nenhum portuense ouviu uma palavra da boca dele – e isso é lamentável. Paranóica, porque vê o Porto e o país como estando divididos em bons e maus – quem não é por mim é contra mim. Daí esta saga persecutória e quase vingativa…


Concorda com o princípio de que as actividades culturais não têm que ser subsidiadas?

Claro que não. O dr. Rui Rio devia compreender que a actividade cultural em determinados sectores não é auto-sustentável, e que o Porto nunca teria uma orquestra nacional, ou um Museu Nacional Soares dos Reis, ou uma Casa da Música, ou um Museu de Serralves sem o apoio do Estado. Nunca os bilhetes de ingresso no Museu Soares dos Reis chegarão para pagar a existência desse equipamento público.
E sobre o caso Rivoli. Um teatro municipal pode ser gerido por uma empresa privada?
Não. Um equipamento público, que foi pago com dinheiros de nós todos, não deve ser concessionado a privados. Eu até penso que o Rivoli herdado por este executivo após o Porto 2001 era uma estrutura sobredimensionada. Competia a alguém que se diz um gestor rigoroso analisar a situação do Rivoli e redimensioná-lo para que tivesse uma gestão mais adequada ao futuro. Isso não foi feito. Agora tentar suprir essa má gestão através de uma programação comercial é gravíssimo. Programar espectáculos comerciais, ou programar os Morangos com Açúcar no nosso teatro municipal é como servir hambúrgueres da McDonald”s num restaurante de luxo. Porque um teatro municipal é um equipamento de luxo e de referência. É um lugar onde se servem iguarias. Isso é que é a democratização da Cultura. Cabe aos poderes públicos apoiarem esse tipo de equipamentos públicos, que geram cidadania e civilização, precisamente para que a iguaria seja servida ao serviço de uma refeição económica. É esse o papel do Estado.
O mote para o debate de hoje é Quantos actores para uma peça?. Ainda que não se queira falar apenas de teatro, como é que vê a situação do teatro na cidade?
A actividade do Teatro de São João é exemplar. Transformou-se num lugar de referência, tanto no país como no estrangeiro. E a programação, a conquista de público que conseguiu durante todos estes anos, é fantástica. É, a par de Serralves e da Casa da Música, um dos pilares fundamentais da cidade.
E o teatro independente?
O edifício teatral no Porto está muito mal construído. Em pouquíssimos anos o número de companhias passou de três para dezoito. Não me parece que existisse uma força de ideias e de novos projectos estéticos minimamente consolidados para que isso acontecesse em tão curto espaço de tempo. Isso resultou no chamado boom do teatro portuense e projectou-se com força no panorama cultural da cidade. Mas mais tarde, como seria previsível, resultou numa certa fragilidade do tecido teatral. E isso foi agravado pela total ausência de uma política cultural da autarquia.

Público 

Written by Jorge

Dezembro 14, 2006 às 4:21 pm

Publicado em Recortes

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